Rafa Araujo
Kala - Nascimento
Sobre o Espetáculo Cicatrizes
Antes da pandemia do COVID 19, o grupo realizou um experimento com o carvão no espaço na Associação de Moradores e Amigos do Bairro Jardim Julieta - AMAJU. Foi bastante prazerosa essa vivência mas também muito forte, principalmente quando o Thico, um dos integrantes do coletivo, é coberto com um plástico no chão e em cima do seu rosto é colocado alguns carvões. Após a realização da investigação, nos sentamos em roda e falamos sobre a nossa relação com o carvão. Lembro que compartilhei com o grupo que o carvão me trazia uma memória de churrasco em família, de coletividade e de festividade preta.
Ao retomar essa investigação com o carvão em casa, devido ao isolamento social, eu me baseei nos indicativos e dispositivos proposto pelo Diretor Luiz Anastácio, e com isso, revisitei os encontros que tivemos virtualmente sobre nossos heróis, sobre os cômodos escolhidos por cada integrante e sobre o experimento realizado com o carvão no Espaço da AMAJU. Rememorar os processos vivenciados tanto no presencial quanto no virtual foi fundamental para a investigação e para construção da cena no espetáculo. Em todos os experimentos realizados em casa, no cômodo do banheiro, minha mãe me ajudou, sem a ajuda dela, com certeza minha cena teria ido para outro lugar.
A ideia inicial era tomar um banho com o carvão, mas as provocações do diretor Luiz Anastácio, potencializou a liberação dos meus desejos e vontades, que ainda estavam no plano do inconsciente, e passei a investigar o carvão em várias partes do meu corpo. Acrescentei uma roupa com brilho também embaixo de uma indumentária de saco de lixo que eu mesma fiz, preguei saco de lixo em volta do banheiro, coloquei papel alumínio na cena. O objetivo era criar asas e uma coroa com o papel alumínio, tentei várias vezes, mas não consegui produzi-los da forma que gostaria, entretanto com a ajuda do diretor do diretor Luiz Anastácio, conseguimos produzir com outros tipos de materiais as asas, coroa e costeiro para cena ritual coletiva.
Reflito que o processo de criação e compartilhamento foram muito importante e potente, dado que através desse fazer artístico, refleti muito sobre a relação do espaço banheiro com a história do meu nascimento, e com a história dos meus pais, que antecede a minha existência. Nesse processo intenso, que mergulhei na construção da cena, do figurino, da super heroína muito ancorada nos dispositivos propostos pelo diretor Luiz Anastácio, eu consegui olhar no mais profundo do meu íntimo, e vê uma parte de mim, que estava adormecida e muito enfraquecida, mas nunca deixou de ser, porque também é uma parte que me constitui, faz parte do meu ser. Ao despertar e fortalecer essa parte, eu ressignifico minhas marcas, floresço, renasço e voou.