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Rafa Araujo

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Musoni - Concepção

 

Foram muitos encontros realizados, muitos aprendizados, reflexões, convivências, aos poucos fui entendendo e conhecendo cada integrante do grupo. Lembro do primeiro encontro, realizado na casa do Diretor Luiz Anastácio, estava bastante ansiosa para saber sobre o processo e muito feliz por estar ali, por estar fazendo parte de um projeto tão incrível e potente. Foi um presente do universo/das deusas/deuses estar ali, pois era algo que queria muito e quero.

 

Os encontros foram muito potentes, aprendi e entendi muitas coisas que somente agora têm feito mais sentido nas minhas experiências de vida. Por exemplo, relembro quando o Diretor Luiz Anastácio falou sobre o nome de batismo cristão e o “nome social” que todos os beninense tinham, entendi o porquê isso era algo muito comum com os africanos que me aproximei na África do Sul. Recordo de um amigo de Gana que conheci em Joanesburgo, ele se apresentava como Ofoe  (significado o primeiro filho da família), mas também tinha o nome de batismo, “Johnny”, mas ele não se apresentava com esse último nome, e sim como Ofoe. Na época, entendi que o nome de batismo era o nome “oficial de registro” e, Ofoe era apenas o “apelido”, mas ele sempre fazia questão de explicar que não era apelido e sim o nome dele também.

 

O encontro que falamos sobre o transe fiquei extremamente passada/surpresa quando o Diretor Luiz Anastácio trouxe que o transe na dança não é um processo que acontece no coletivo, mas sim no individual, pois é um lance de dentro para fora, que pode se dar na repetição de movimentos e pode viciar. Isso fez muito sentido para mim, entendi o porquê gosto tanto de ir em balada e ficar dançando, repetindo movimentos, tendo sensações maravilhosas. Por um bom tempo, não sabia nomear que sensação maravilhosa era essa que eu sentia ao dançar, mas ao entrar no Bloco Ilú Inã e vivenciar essa sensação, principalmente nos momentos que dançávamos dentro da Aparelha Luzia e muito próximo da percussão, comecei a entender e me interessar muito pelo transe na dança.

 

Ainda sobre o transe, recordo que no encontro que tivemos no dia 09/03/20, o Diretor Luiz Anastácio não estava presente e repetimos os procedimentos. Apesar de ter sentido que passamos muito rápido pelos exercícios/sequência, percebi que no final do procedimento, no momento que começamos a girar levantando a perna direita, percebi que a repetição desse movimento é um caminho possível neste procedimento para o transe para mim, pois por mais que esteja dançando no coletivo, e tenho a consciência do espaço e das pessoas que estão ao meu redor, é o momento que estou mais conectada comigo mesmo, o  individual está mais presente e, o movimento fica mais intenso, uma parada de dentro para fora. Eu tenho buscado e tenho me interessado muito pelos movimentos que começam de dentro para fora, e é algo que mais tem feito sentido para mim.

 

 

Sobre as visitas - O acolher de cada morada

 

Recordo que no começo estava receosa com a ideia dos encontros acontecerem nas casas de cada participantes, não pelo fato de não curtir visitar as residências de cada pessoa, mas sim pelo fato de todos os participantes visitarem a minha casa. Acredito que minha expressão tenha deixado explícito a real preocupação e, até cheguei a verbalizar isso para algumas pessoas também, mas o pós encontro na minha goma, fiquei super aliviada e, gostei muito de receber todos no meu lar. Foi um momento muito prazeroso, único e muito enriquecedor. Eu fiquei muito feliz, realizada e me sentindo muito bem com o encontro, gostei demais do momento que passamos juntos, do almoço, das trocas, dos vídeos que assistimos, das reflexões e da presença de todos na minha casa. Minha mãe ajudou-me 100% na organização do encontro, ela foi às compras de todos os ingredientes e preparou o almoço, fez o maior corre para que tudo ocorresse bem e até descolou as cadeiras com a Leni (senhora que faz parte da coordenação do Mutirão). Entretanto ela também estava bastante receosa em receber visitas e, chegou a verbalizar o quanto que a nossa casa era humilde para receber visitas e, até perguntou sobre o perfil dos participantes. Isso me fez refletir o quanto que sou parecida com minha mãe, o quanto que carrego receios, medos, preocupações e marcas dela. 

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projeto-cicatrizes-feijoada-rafa-araujo.

Foi muito prazeroso os encontros realizados na casa do Luiz, do Thico, do Ian e da Mia também. Cada encontro teve sua magia, especificidade, encanto e um desenrolar único. O processo de conhecer o trajeto, o bairro, a casa, os integrantes da família, a estética de cada residência, os alimentos escolhidos por cada um, levou-me a olhar em um outro lugar, de certa forma gerou um movimento de aproximação.  Confesso que no começo, não entendi muito bem a proposta de ir nas casas dos participantes, não tinha menor ideia o quanto que seria potente e nutriente para o processo. Acredito que esse procedimento trouxe construções mais reais e humanizadas. 

 

A aproximação com os participantes para o processo artístico intensificou minhas reflexões sobre as questões raciais. A temática do projeto é uma temática preta, mas mesmo se não fosse preta, a problematização da questão racial estaria presente, porque há participantes brancos e negros, mas mesmo se fosse apenas participantes negros, a problematização estaria presente. Não sei se é possível fugir disso. Nesse contexto que vivemos, visualizo que não. Estamos dentro de uma sociedade racializada socialmente, em qualquer lugar que você esteja, as relações sociais são e serão atravessadas pelo embate racial, queira ou não queira. É possível desconsiderar ou superar essa reflexão dentro de um processo artístico em um projeto/coletivo/grupo/cia? Eu sei que percebo/sinto, por parte de mim, uma maior aproximação com os participantes negros dentro dos procedimentos proposto, mas não de forma intencional, a sensação é de uma maior familiaridade e identificação. Talvez se estivesse me constituído dentro de povos que não vivenciaram o regime escravocrata e colonial, a questão racial passaria por um ou outro lugar, talvez não enxergaria o branco como um real entrave/impedimento para minha plena realização e humanização e, sim como uma grande oportunidade de aprendizado no encontro entre povos.   

 

Pesquisar, produzir, refletir sobre temáticas negras trata-se somente de assuntos referente às pessoas negras? Danças negras referem-se somente a corporeidade negra? Se é o branco que diz que tudo que não é branco, é algo diferente/desigual/inferior/atrasado/primitivo, todos os assuntos objetivos e subjetivos sobre as questões raciais estão intrinsecamente relacionados às pessoas brancas também? Não é somente sobre nós (pessoas negras), mas também sobre eles (pessoas brancas)? A quantidade de pessoas brancas estudando temáticas de outros povos, estudando temáticas negras, estudando danças rituais negras sem considerar e estudar o que eles representam dentro dessa estrutura, reforça o quanto que ainda somos o outro a ser pesquisado, explorado, desvendado para eles?

 

Processos criativos em dupla online:

 

Eu fiquei bastante indecisa na escolha da dupla. Eu li todos os textos achando que a partir da leitura dos textos, eu conseguiria decidir com mais precisão. Doce ilusão. Todos os textos, teve alguma passagem que tenha me identificado ou tenha me atravessado de alguma maneira.

 

No início, fiquei receosa e preocupada, não estava na minha zona de conforto. O mais fácil seria se eu estivesse feito dupla com a Bia ou com a Luiza. Espero muito que algum dia, possamos viver em uma sociedade socialmente igual para que possamos nos livrar dessas amarras.

 

Desde o início, eu estava aberta para dialogar, conversar, trocar, escutar, aprender, compartilhar e criar. Eu senti que era o momento para esse movimento. Eu estava aberta para isso. Não me enganei.

 

Os dois são bem diferentes, e isso reflete muito nas conversas/encaminhamentos/propostas que eu tenho tido com os dois. Na verdade, eu percebo que o meu dançar movimenta em ritmos e direções diferentes com cada um.

 

Dupla com a Mia: Na primeira conversa que tivemos, a troca foi acontecendo e tornando de forma fluida, falamos muitas coisas relacionada a questão racial/branquitude. Refletimos um pouco como nós nos vemos em cena, e se era possível um diálogo/proximidade das duas formas de se vê em cena e, se de certa forma haveria uma unidade ou intersecção Na última conversa tivemos, falamos sobre o cosmograma, e sentir que as nossas reflexões sobre como a gente se vê em cena estavam muito mais palpável,ou seja, estava começando a sair do mundo apenas das ideias. 

 

Dupla com o Ian: Logo na primeira conversa, o Ian propôs de eu gravar um vídeo dançando, aceitei de cara e fiquei super empolgada, pois já estava na vibe de gravação e edição de vídeos dançando em casa. Lembro que foi uma conversa bastante objetiva, com os encaminhamentos super definidos. As trocas, conversas, ideais, aprendizados resultaram em um vídeo dança muito bacana, interessante e bonito sobre o transe. Eu gostei demais e fiquei feliz com o resultado dessa troca bastante respeitosa, generosa e potente.

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